quarta-feira, 30 de março de 2011

O estranho caso mais ou menos do costume. Agora em muito mau

O jornal titulava Juros da dívida batem novo record, naquela fria manhã. Coisas muito importantes estavam entretanto a acontecer: a duquesa da Cornualha estaria presente. Duquesa da Cornualha, hein?, salivavam já as celulazinhas cinzentas: que estranho casal forma com aquele seu Príncipe Charles de Gales! Cúmplices, ambos, em escândalos nos tentadores recessos da Cornualha; só ela, no entanto, ostentando o nome - da Cornualha (e que bem lhe ficava, a ele, o título da Cornualha; algo como «Príncipe da Cornualha»). Pois bem, há aqui qualquer coisa que não bate certo (como por exemplo, a falta de referência ao título da Cornualha). Para além disso, da Cornualha, há a questão das razões da visita. Qualquer visita a casa da vítima nas horas ou dias anteriores à morte será sempre objecto de alguma atenção, sobretudo quando se trata de visita inesperada ou aparentemente... inexplicável! Hum. Aliás, sem dúvida que Charles já não sairia da alçada da polícia se se tivesse provado que o móbil do crime estava de algum modo relacionado com o «belo sexo» (Ferreira Leite, talvez? - parece ser o seu tipo; e ela foi de facto, em tempos, maltratada pelo falecido). O desenrolar do caso trataria, queríamos crer, de pôr as coisas no seu lugar. Prossigamos. Quem mais foi visita cá de casa e, até, quem estaria presente no funeral? Sabíamos ser extremamente importante prestar atenção a isso, ao funeral, ao nosso, isto é, ao funeral do nosso Portugal (sim!). O próprio criminoso, quem sabe, poderia estar presente! Só para gozar, o cabrão! Só para não levantar suspeitas – também serve. Celulazinhas. Celulazinhas é que é preciso. Vejamos: o falecido tinha inimigos declarados? Só a Maitê Proença. Ah, então foi ela. Pronto, é só isto. Hum. De repente este quase desesperado devaneio abriu-nos a mente para outras vertentes do problema: quais as relações do morto com a família? Depois de alguma pesquisa e meditação, achámos seguro concluir que o irmã pelo lado da Geografia, a Espanha, não teria nada a ganhar com a tragédia, uma vez que se encontra numa situação parecida (por isso, por outro lado, não é de todo descabido dizer que é quase certo que foram eles: o seu alibi é demasiado perfeito e, sobretudo, por ser da Espanha que estamos a falar!); e concluir também que o irmão pelo lado da História, o Brasil, está bem na vida mas enviou a Dilma e o Lula ao enterro. A Dilma disse logo que tão cedo não queria tratar de negócios, mais tarde falava já numa eventual ajuda depois de consideradas as burocracias e outras desculpas muito convenientes, para não dizer suspeitas, hum, e tal. E como se nós tivéssemos feito qualquer cerimónia quando se tratou de lhes surripar as riquezas! Enfim. O Lula: é um sujeito mindineta que fala pelos cotovelos. A propósito, aquele defeito na mão deve-se a um acidente com um pé-de-cabra que sofreu quando forçava a porta de elegante residência, não tem nada a ver com nenhuma punição por violar o código de honra de um gang de Niteroi, como às vezes se quer fazer crer. Simplesmente sinistro. E por falar em Presidentes, e em Presidentes ainda por falar, o mordomo é um tal Cavaco, sujeito imperscrutável (por falar em falar) e sisudo (para não falar mais em sinistro). Portanto, em termos de família mais chegadas e de mordomo, temos mais perguntas do que respostas. Em breve falaremos da família mais alargada. Entetanto, o cadáver jazia, num espectáculo agonizante de horror, gritando bem mais alto que todos os comentários aparentemente pesarosos que se iam fazendo ouvir. Toda a criadagem de dentro murmurava; escondendo-se mais que todos no ruído que incessantemente debitava, Sócrates, o astuto feitor. Mas onde estivera também o esquivo Passos Coelho na noite da véspera do anúncio das medidas de austeridade nos gastos domésticos? Saberia ou não de alguma coisa? Os arquivos das escutas PJ e da Procuradoria, sedeados nas diversas redacções de jornais, teriam certamente muito que contar, um telefonema de Sócrates para Passos antes da reunião com os parentes europeus, por exemplo. Parentes esses cujo comportamento também parece algo estranho. O problema, no entanto, estava em descobrir a ficha certa, no autêntico palheiro que era o monte de registos de todo o tipo de conversas, como a da Mónica do 3ºB da EB1 de Eiras de Sabaio com a Sara, no recreio. Para não falar da dificuldade em aceder a segredos que os jornais fazem tanta questão em guardar. Felizmente a sorte parecia estar do nosso lado. Numa tasca ranhosa. Quando já íamos no terceiro copo de aguardente, uma precária sensual, de lábios demasiado pintados, nossa habitual prestadora de serviços (mas que para nossa felicidade também é estagiária de jornal), chegou-se a nós, dando a entender que escondera entre os seios um escaldente diálogo entre o da esquerda e o da direita, respectivamente o «animal feroz» e o «coelhinho fofo», como lhes chama. E ali estavam eles, ao leu. Começámos de imediato a ler o que a miúda guardara no peito, mas quando íamos a deitar a mão recebemos um inesperado «é apenas para isto que eu sirvo, não é? Eu já calculava», juntamente com uma estalada e um fechar de blusa na cara. «Mas nós só queremos saber quem é o culpado, depois tratamos melhor de ti como investigadora, ou como amante, ou lá o que é que tu queres!», dissemos, cada vez com menos esperança de perceber fossse o que fosse. O cheiro forte e nauseabundo a aguardente reles entranhava-se nas paredes da sala, tão mal pintadas como os lábios da instável precária, nas suas sombras, tão escuras como pareciam as perspectivas de resolver...Ah! Mas é isso! Por falar em cheiro forte e nauseabundo! E os mercados? E por falar em mal pintadas! E as agências de rating? Por falar em intável e precária, e a Europa? Por falar em escura, e a loira Merkel? (Ou, e é com custo que o dizemos, por falar em reles, terá na verdade sido um suicídio?) Pistas, pistas, pistas! Ou algo! Assim! Este trabalho é assim mesmo. Quando já estamos quase a desistir, há um pensamento, um sinal, qualquer coisa, que torne tudo mais confuso ainda! Mas não importa, vamos voltar à estaca zero (terá sido a duquesa ou não?), reinterpretar tudo com os novos dados e apanhar finalmente o responsável por este crime. A alternativa é simplesmente intolerável: passar o resto da década a ouvir falar nas provas circunstânciais relacionadas com a proposta de medidas de austeridade e na sua não aprovação e ouvir até à náusea a associação entre isso e acusação «culpado!», «culpado!». Não! Há que ir mais longe, e a Camila tem muito mais cara de suspeita!

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