sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Bom, e que dias, estes. Cheios de palavras. Ou coisas parecidas. Depois de dez anos a discutir o défice, a ameaçar com o défice, a ameaçar discutir o défice e a discutir os culpados do défice, já se esgotaram os adjectivos e todas as outras palavras estão rapidamente a perder o sentido (já o rumor de fundo mas que g. merda é claríssimo) . Encontrar uma metáfora original e convincente é um milagre. Vai mesmo uma tosca: isto já está a parecer Portugal. De tão mau que está. Desculpem-nos sermos tão pouco espirituosos, mas já era o défice (cada vez pior), agora é a dívida pública, é a despesa primária, o endividamento externo, e não sei o quê, e blá-blá-blá, e orçamento, e nem ata nem desata, e tanta coisa mais que nós já não estamos para estar com rodeios nem floreados: isto parece mas é o Portugal! É mesmo assim. Ora bem, consta que o primeiro-ministro respondeu de raspão a um jornalista que a discussão sobre a dívida ficaria para mais tarde. Finalmente. Finalmente aparece alguém disposto a não alimentar mais o falatório. É com posições destas, estamos convencidos, que se fazem os líderes (há-de estar para aqui uma referência àquele acontecimento).
No entanto, a cavaqueira sobre tudo isso e suas consequências (sobre o quê, mesmo?) continua, absorve tudo e já nada mais existe – e isto apesarde coisas, por exemplo, do caso Queiroz, do affair Mourinho e do acaso Bento. Tanto assim que é políticos, e comentadores, e tudo, a quem já sobram as interjeições, os esgares e os gaguejares e coisas que parecem palavras, mas a quem faltam realmente as palavras. Talvez a Alemanha possa ceder algumas, mas muito complicadas e ásperas.
E já se cospem todos, a entoação fica mais aguda dois tons, encolhem os ombros e abrem os braços no final de cada frase. É o FIM, é o FMI, e tal, ó pá, e se for o fim ou fmi, o que é que vai acontecer, aumentam os impostos e diminuem as contribuições sociais e os salários e afins? E daí, olha, antes isso do que não vir o fim nem o fmi e aumentarem os impostos e diminuírem as contribuições sociais e os salários e afins (e às tantas mais tarde, durante mais tempo e em números mais elevados). Os portugueses já nem tentam abastecer-se junto das estações de televisão com palavras que pudessem ter o mínimo de sentido, como chegaram a fazer no princípio da crise, mais ou menos por volta da época da independência do Brasil, que era o que faziam para o cérebro não lhes ficar de todo bloqueado e terem alguma coisinha que se aproveitasse para dizerem durante os tempos de maior penúria, como parece que serão os que se aproximam. Mas talvez devessem fazê-lo, pois não é difícil prever que as palavras básicas de produção própria para caracterizar e explicar a situação, como por exemplo abóbora e nabiça, se tornarão superabundantes e que, por isso, sofrerão séria desvalorização. Quem quiser fazer uma vidinha minimamente digna em termos de comentário de café terá de apanhar desde já tudo o que puder e tiver aproveitamento na análise desta imbrogliada económico-político-financeiró-social.
Nós, apesar de também termos um bom aprovisionamento de abóbora, nabiço, cortiço, palhunço, canoilo, cabresto, caturra, ferradura, caval, gadura, serradura, farelo, bigorna, martelo, malho, marreta, matraca, maceta, gralha, mortalha, rela, borboleta, traça, besoiro, cigarra, abelhão, papoila, pavão, galinha, patudo, doninha e pançudo não vamos perder muito tempo com a fútil e já redundante desqualifucação do país que temos, dos responsáveis políticos que escolhemos, dos agentes externos a que nos submetemos, e nem de pessoas em geral de que não gostemos. Só, talvez, o tempo necessário para acalmar os nervos é que ainda podemos vir a perder com isso, e só por razões de saúde. Não vamos sequer limitar-nos a acompanhar passivamente os comentadores, especialistas e repentinos nós-bem-sabíamosistas que agora se vêem nascer como cogumelos e respectivas ladainhas. Enfim, não nos vamos contentar com conversas que, com sorte, são só um bocadinho mais do que culpabilizações fáceis, futilidades e redundâncias. Vamos sim dar as soluções. Proximamente, se as encontramos. E se não as encontrarmos, ao menos havemos de estar por uma vez em condições de fazer uma crítica decididamente um tudo-nada sofisticada. Até então, lá.

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