Os serviços secretos portugueses, num edifício exteriormente insuspeito, abrem, compilam, analisam, informação, estatísticas, dossiers. Supercomputadores alinhados, diligentemente trabalhando, pessoas de aspecto comum, porém compenetradas, com certo aprumo nos modos. Gabinetes a perder de vista, como favos numa colmeia apinhada e tensa. Abre-se uma porta. A criada tem de entrar de olhos vendados, com o carrinho das bolachas e do chocolate quente. Um agente encosta-a de repente à parede gritando-lhe aos ouvidos «Quem és tu?», «A tua escrava!», «Diz mais alto!», «Ahh».
São homens duros. Brutais às vezes, com certo aprumo nos modos, se possível. Acima de tudo, fazem o seu trabalho. «Quem és tu?», «Sou um carrinho inteligente!», «Não percebi bem! Diz mais alto!», «Ouça, não quer antes um chá?», «Ai, robot, ai! Se soubesses o que é a minha vida!». E é de facto uma vida penosa, sem que se possa dizer no entanto, especialmente o robot, que ele aqui não tem um momento de exagero.
Enfim, há que perceber a mentalidade muito particular deste tipo de operacionais, não é assim? O círculo fechado em que se trabalha, o sentido do dever, a impossibilidade de falar do que se faz, de dizer coisas cá para fora. A impossibilidade, repare-se, a impossibilidade! De dizer coisas cá para fora! Muito sigilo, por ali. Muito sentido do dever. Entretanto chegam mais dossiers.
Um agente detecta algo de suspeito, finalmente: um colega chama «maluca» a outro; logo depois desculpa-se, e ambos dizem «meu filho, teu afilhado; agora vamos espiar o colega do lado!». Ora esse agente de que falam é o que estava precisamente a detectar a situação já desde o início numa secretária contígua, apesar dos headphones e do dedo médio em riste bem à vista, para mostrar desdém. Ou antes, para dele fazer crer mais ainda os outros, como disfarce, e aproveitar isso sim para detectar algo suspeito, como dissemos. Detectar e reportar. Através de mail, em tempo real. A um jornal, empresa, empresa detentora de jornais, a uma dona de casa, ou outra coisa, enfim, a um destinatário com relevância e de suficientemente segurança e descrição para receber informações dos serviços secretos da nação.
É então que uma das «comadres» da secretária do lado lhe pede pioneses, aproveitando o momento de distracção para passar os olhos pelo endereço de correio electrónico, no ecrã aberto. Mas o nosso agente previra o golpe e segue discretamente o destino do papel com o endereço, de mão em mão, de maneira que quando noutro sector se fica a saber quem era o destinatário do mail, logo elementos feitos com ele obtêm à socapa uma cópia da lista dos contactos do referido destinatário, fornecida por uma empresa de telecomunicações cujo grupo detém um diário, para dar a conhecer a um jornalista de outro jornal, a isto reage o grupo dos da secretária adjacente à do nosso agente procurando protestar junto das chefias quanto a tudo isto, mas as que não se queixavam de mal-estar tinham tinham-se ausentado permanentemente para uma empresa, ou grupo, de comunicações ou telecomunicações, ou donas de casa, até.
Este sistema permite a qualquer serviço secreto encontrar sempre quem dê o devido valor às suas informações, que tão árduo trabalho requerem, e, a qualquer jornal, obter notícias sobre coisas sérias e graves, pois que nem sempre elas se encontram à mão.